Começamos o mês de junho com a incerteza da realização ou não do Forró Caju, a festa junina mais esperada por grande parte da população de Sergipe e de outros estados do país. O discurso da crise financeira serve como pano de fundo para justificar a incerteza. Mas muita gente enxerga outro tipo de crise nessa situação: a crise da capacidade. Capacidade de se reinventar, se adaptar, ser criativo, compreender a leitura da realidade atual e colocar em prática o “fazer mais com menos”.
No início dos anos 2000, o então prefeito de Aracaju Marcelo Déda transformou o Forró Caju num evento de porte nacional, deu ampla visibilidade à festa e consequentemente elevou a autoestima do aracajuano a um nível nunca visto antes. Déda fez a leitura correta da veia cultural do povo e investiu na festa de forró. Como as vacas eram gordas, a vinda de artistas de grande porte, com cachês elevadíssimos, era sempre garantida. Mas esse tempo passou. O que não passou foi a importância do Forró Caju para a cidade.
A propósito, a festa é tão importante no calendário cultural local que deveria ser um evento de Estado, e não de governo. E por isso o atual prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira – um admirador confesso do forró -, não vai querer entrar para a história como a pessoa que acabou com o Forró Caju. Creio que não. O que preocupa a sociedade é ele afirmar que precisa de R$ 3 milhões para fazer uma festa de três dias. Que é que isso, menino!? Não subestime a inteligência do povo sergipano. Com R$ 3 milhões em mãos você faria a alegria de centenas de artistas locais e até regionais, de técnicos de som, iluminadores, empresas montadoras de palco e demais estrutura para shows, além, é claro, de milhares de sergipanos e turistas que valorizam o forró de verdade.
É preciso deixar de lado a megalomania em festas públicas, esquecer a contratação de “estrelas fabricadas pela mídia” e valorizar o que é nosso. Nunca criamos uma forte identidade artística local justamente porque nunca investimos nisso. Quisera termos 10% do bairrismo baiano ou pernambucano. Aí sim teríamos força para impor diante dos nossos governantes a nossa vontade. E o fato é que Edvaldo Nogueira tem nas mãos a oportunidade de mostrar para o Brasil que isso aqui é mesmo “o país do forró”, como diz a letra da música de Rogério. Não deixe escapar, prefeito.
Veja que o cantor Alberto Marcelino, aracajuano e forrozeiro dos bons, vem fazendo bela campanha de apelo nas redes sociais, com a benção do professor José Paulino da Silva, uma autoridade no campo da cultura popular que recentemente declarou em artigo publicado no Jornal do Dia: “Temos artistas forrozeiros em quantidade e qualidade para fazermos um São João animado e que, de certeza, atrairá grande público. Devolvam ao povo o prazer de ouvir seus artistas populares. Ou seja, dêem uma real oportunidade aos artistas que sempre fizeram a beleza e a alegria do ciclo junino. Paguem um cachê justo e condigno. Não dêem calote nem demorem a pagar”.
Sergipe tem inúmeros forrozeiros de qualidade. Portanto, uma festa caseira seria um tapa na cara da tal crise financeira da Prefeitura de Aracaju. O Sindicato dos Músicos, inclusive, já protocolou ofício na PMA garantindo que os artistas locais abrem mão de 30% dos valores de cada cachê em prol da realização da festa junina. E cá para nós, o forró local é sem dúvida o que o turista quer ver no palco. Não importa se 100 mil pessoas ou 10 mil pessoas irão prestigiar a festa montada nos mercados centrais de Aracaju. Importa é que a festa está viva. A manifestação cultural está viva.
E para que esse texto faça mais sentido, aqui vai uma singela lista de artistas que certamente merecem a atenção e o aplauso de todos. A lista é longa e de extrema qualidade. Começa por Mestrinho, abençoado por Dominguinhos e disputado por várias estrelas da MPB, a exemplo de Elba Ramalho, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Chico César e outros. Ele é filho do veterano Erivaldo de Carira, uma unanimidade no cenário forrozeiro local. Erivaldo, aliás, tem outros dois filhos no rol dos grandes forrozeiros do país: Erivaldinho, que hoje mora em Goiânia e integra bandas dos maiores nomes da música sertaneja naquela região, e Taís Nogueira, uma promissora cantora de forró que já se apresentou ao lado de Anastácia e outra estrelas da música nordestina.
A lista dos artistas locais segue com a incomparável Amorosa, nome consagrado no Nordeste. Tem ainda Sergival, Sérgio Lucas, Edgar do Acordeon, Cobra Verde, João da Passarada, Jailson do Acordeon, Zé Américo do Campo do Brito, Pavio do Forró, Valtinho do Acordeon, Zito e Zeto, Josyane de Josa, Grilo do Forró, Luiz Paulo, Xote Baião, Lucas Campelo, Marluce e Zé Rozendo, Gerusa do Forró, Robertinho dos 8 baixos, Lourinho do Forró, Danielzinho Quarto de Milha, Casaca de Couro, Nilson do Forró, Raio da Silibrina, Calcinha Preta e outros.
Além destes, muitos outros artistas locais que apesar de não serem forrozeiros natos, nessa época do ano sempre montam repertórios com o cancioneiro do forró para apresentações especiais. Estou falando de Chiko Queiroga e Antonio Rogério, Nino Karvan, Silvio Rocha, Paulo Lobo, Fábio Lima, Joésia Ramos e outras dezenas de cantores e cantoras. E mais: um bom número de quadrilhas juninas e grupos folclóricos da capital e do interior que representam o ciclo dos festejos juninos estão aí à espera de oportunidades para mostrarem sua arte. Não custa muito abrir espaço para todos eles, sem calotes, é claro.
Por último, mas não menos importante, cito o artista aracajuano Mimi do Acordeon, um dos mais talentosos sanfoneiros dos últimos tempos no país. Um jovem cheio de virtudes e simplicidade. Uma sanfona abençoada, digna de elogios. De Mestrinho a Mimi, o que temos de forró é muito original, muito competente. Sergipe não precisa de Safadões nem muito menos de Aviões para decolar no horizonte desse ritmo musical que tanto contagia o povo. Sergipe precisa é de gestores sensíveis à causa e, acima de tudo, inteligentes o suficiente para provar que é mesmo “o país do forró”.
Por: Gilson Sousa é jornalista
Reprodução: www.imprensa1.com