A pedido do Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE), a Justiça Federal realizou hoje a reintegração de posse dos moradores do Povoado Cabrita da área que ocupam desde a década de 90 no município de São Cristóvão e que havia sido invadida por particulares. Os invasores construíram cercas no terreno, que impediam o acesso da comunidade a uma fonte de água e também a um dos acessos do terreno à rodovia João Bebe Água. Além disso, alguns deles estavam armados e fizeram ameaças aos moradores, afirmaram ser policiais e derrubaram cercas e plantações dos pequenos agricultores.
A decisão foi considerada de grande relevância pela Procuradora da República Martha Figueiredo, que assina o pedido. “É um momento histórico para os moradores tradicionais do Povoado Cabrita, já que ao longo dos anos já sofreram diversos despejos forçados da área, mas resistiram e conseguiram ali fixar suas moradias e pequenas plantações. É a primeira vez que, após sofrer o esbulho das terras que tradicionalmente ocupam por parte de fazendeiros que alegam ser proprietários da área, esses movimentos sociais são reintegrados na posse dos terrenos. São pequenos agricultores que ali residem e cultivam com autorização da Justiça, em razão de uma Ação Civil Pública em que o MPF pede que seja garantida a função social da propriedade, o direito à terra e à moradia digna.”
A Justiça Federal em Sergipe determinou a destruição da cerca que proprietários de fazendas vizinhas fizeram dentro da ocupação conhecida como Comunidade Cabrita. Os fazendeiros desrespeitaram decisões da 3ª Vara Federal que mantinham a posse da terra em favor das famílias tradicionais da Cabrita.
A área é alvo de uma ação judicial do MPF que, desde 2017, pede regularização fundiária do terreno ocupado por famílias de agricultores na Comunidade Cabrita. O terreno é disputado por particulares, mas o MPF sustenta na ação que as terras são públicas e historicamente ocupadas pelos pequenos agricultores, que devem ser formalmente assentados no local pelo Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os moradores estão no local com autorização da Justiça Federal, até que seja julgado o mérito da ação.
O entendimento do MPF acatado pelo juízo federal é de que se trata de ações de natureza criminosa, que ferem decisão judicial e que podem impedir o resultado do processo que visa a regularização do terreno. Além disso, as ofensivas são um risco à vida, à integridade física, ao trabalho e ao patrimônio das famílias da Comunidade Cabrita.
Decisão – Na liminar, o juiz Edmilson Pimenta, além da reintegração imediata, determinou a retirada de todas as cercas instaladas por aqueles que praticaram o esbulho possessório e que estivessem impedindo o acesso dos moradores às áreas ocupadas.
Também foi determinada a remessa de cópia do processo para a Polícia Federal e a notificação e oitiva dos envolvidos no caso para prestar esclarecimentos sobre a usurpação da posse da área sob exame da Justiça.
A decisão de reintegração de posse foi cumprida pela Justiça Federal com apoio da Polícia Federal, da Polícia Militar, do Incra e do Município de São Cristóvão, através da Secretaria de Obras, e acompanhada pelo MPF.
Entenda o caso
A ação em tramitação na Justiça Federal foi ajuizada pelo MPF em 2017, com o objetivo de garantir a defesa do direito à vida e à moradia de dezenas de famílias que vivem há décadas no Povoado da Cabrita, no município de São Cristóvão. Desde 2014 o MPF acompanha os dilemas dessas pessoas, que já sofreram diversas violações de direitos humanos, e que continuam se repetindo em 2020, mesmo com decisões judicias em favor das famílias.
De acordo com o MPF/SE, há documentos e narrativas reiteradas no sentido de que as terras do Povoado da Cabrita são de propriedade do estado do Sergipe, adquiridas em 1946 para implantação de sistema de captação de água. Em 1970, as terras foram incorporadas ao patrimônio da então criada Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso). Várias pessoas que se dizem donas do local deram curso a processos na Justiça Estadual, o que implicou despejos forçados, inúmeras vezes, em prejuízo das famílias ocupantes da área, incluindo crianças, mulheres, idosos e pessoas com deficiência.
Ao longo dos anos, as famílias foram vítimas de diversas agressões e violações de direitos humanos, sofrendo ameaças de toda ordem. Entre elas, na tentativa de fazê-las sair da área, policiais encapuzados, em determinada madrugada, destruíram plantações e danificaram casa para intimidar os moradores. O caso foi trazido ao MPF por deputados estaduais.
Em 2015, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), reconhecendo o perfil de reforma agrária das famílias, fixou o interesse federal na questão. Com isso, o MPF/SE encaminhou pedido de autorização ao Procurador-Geral da República para agir em relação ao episódio julgado pela Justiça Estadual. A autorização foi dada pelo Conselho Superior do MPF.
“O caso da Cabrita é gravíssimo. As famílias foram e continuam sendo submetidas a situações tão alarmantes e violadoras de direitos humanos que o Brasil pode vir a ser responsabilizado internacionalmente”, explicou o procurador regional dos direitos do cidadão à época do ajuizamento da ação, Ramiro Rockenbach.
Fonte: MPF/SE