Quatro casos e uma certeza: os cartões corporativos ainda sofrem desvio de finalidade, 10 anos após terem sido criados para dar mais transparência aos gastos públicos.
A fatura do servidor Nestor Santorum, lotado no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), na capital do Pará, traz um gasto de R$ 114 no Motel Holliday, estabelecimento que fica em Ananideua, região metropolitana de Belém. O pagamento foi realizado no meio da tarde de 29 de novembro do ano passado, uma segunda-feira. O servidor, que gastou mais de R$ 11 mil com o cartão corporativo em 2011, nega a despesa.
A assessoria do Sipam alega que Santorum comprou material de construção para fazer uma cerca no lugar de um muro derrubado por uma árvore, mas a loja estava com o sistema de recebimento eletrônico indisponível.
A irmã do dono do estabelecimento de material de construção teria oferecido a máquina de seu motel para passar o cartão corporativo, “desvirtuando” a identificação do gasto.
Sem justificativa ficou o questionamento que o Correio encaminhou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de Minas Gerais sobre gastos de R$ 12,9 mil que duas servidoras da regional do IBGE fizeram em 21 de dezembro do ano passado em diárias, no Tauá Grande Hotel Termas de Araxá.
As servidoras Gislene Maria Ferreira e Vilma de Jesus Santos Cruz pagaram, juntas, 17 diárias com cartão corporativo. A assessoria do órgão não justificou a despesa até o fechamento desta matéria.
Vídeos postados na internet mostram reunião de confraternização entre os funcionários da instituição batizada de 3º Encontro das Áreas Administrativas do IBGE, realizado entre 12 e 17 de dezembro de 2010.
A data dos gastos, que caíram na fatura de janeiro, é a mesma informada pelo servidor José Haroldo Rocha, do IBGE do Rio de Janeiro, que pagou R$ 7,8 mil ao mesmo hotel com o cartão corporativo.
A Controladoria-Geral da União (CGU) proíbe gastos com hospedagem: “Excluída, nesse caso, a possibilidade de uso do cartão para o pagamento de bilhete de passagens e diárias a servidores”.
Os três servidores citados fazem parte do universo de 7.465 funcionários em postos estratégicos que utilizam a modalidade de suprimento de fundo. Este ano, o governo já gastou R$ 39,9 milhões com os cartões corporativos.
Os campeões de gastos são a Presidência da República e o Ministério da Justiça, na casa dos R$ 10 milhões e R$ 9 milhões (veja o ranking abaixo). Em terceiro lugar vem o Ministério da Educação, com R$ 3,8 milhões. Na pasta, destacam-se os gastos dos servidores do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, empresa pública ligada ao ministério.
Churrascaria
Contrariando recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU) de que recursos públicos do cartão não devem funcionar como diária para custear despesas semelhantes às previstas no auxílio-alimentação recebido pelo servidor, a funcionária Marta Helena Cherini repete gastos em churrascaria famosa pelos altos preços cobrados.
A fatura do cartão revela despesas no restaurante no Rio de Janeiro e em Brasília. Outros dois funcionários do hospital também elegeram o estabelecimento quando estiveram na capital do país. Em resposta, a assessoria afirma que “os funcionários e dirigentes da instituição não recebem nenhum valor a título de diária ou suprimento de fundos para despesas com refeição.
No caso de viagens a trabalho, as despesas com refeição são cobertas com o uso do cartão de pagamento”. Apesar de o cartão ter sido concebido para suprir necessidades de almoxarifado e pequenos consertos que não têm vulto financeiro para a abertura de uma concorrência, pelo menos cinco gestores do Ministério da Defesa utilizaram o cartão corporativo em estabelecimentos de fast-food.
O desvio da finalidade do suprimento também se repete nos saques em dinheiro vivo, procedimento condenado pela CGU. Os servidores João Monteiro de Souza Junior, do IBGE do Amazonas, e José Wilden Nazareno, do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) do Pará, utilizaram esse ano o cartão corporativo para sacar R$ 28,4 mil e R$ 26 mil em dinheiro, em vez de usar a função crédito, que permite o acompanhamento dos gastos dos recursos públicos federais.
Banco do Brasil
Em 2009, o governo cortou o cartão corporativo dos ministros e instituiu uma diária fixa para os titulares das pastas. O objetivo da medida foi evitar que os ministros usassem o cartão para gastos durante a viagem. Como os servidores recebem diária quando se deslocam a trabalho, despesas relacionadas a rotina de viagens não devem ser custeadas nessa modalidade de suprimento de fundos.Os cartões de pagamento do governo federal são administrados pelo Banco do Brasil.
Confira os valores gastos pelos órgãos do governo federal com o cartão corporativo:
Presidência da República – R$ 10,5 milhões
Ministério da Justiça – R$ 9,3 milhões
Ministério da Educação – R$ 3,8 milhões
Ministério do Planejamento – R$ 2,7 milhões
Ministério da Agricultura – R$ 2,3 milhões
Ministério da Saúde – R$ 2,2 milhões
Ministério do Desenvolvimento Agrário – R$ 1,8 milhão
Ministério da Defesa – R$ 1,46 milhão
Ministério da Fazenda – R$ 1,43 milhão
Ministério do Trabalho – R$ 1 milhão
Ministério do Meio Ambiente – R$ 603 mil
Gabinete da Vice-Presidência – R$ 535 mil
Ministério de Minas e Energia – R$ 403 mil
Ministério da Ciência e Tecnologia – R$ 366 mil
Ministério dos Transportes – R$ 240 mil
Ministério da Integração Nacional – R$ 213 mil
Ministério das Cidades – R$ 159 mil
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – R$ 127 mil
Ministério da Previdência – R$ 114 mil
Ministério da Cultura – R$ 66 mil
Ministério das Comunicações – R$ 50 mil
Ministério da Pesca – R$ 39 mil
Ministério das Relações Exteriores – R$ 31 mil
Ministério do Esporte – R$ 3 mil
Por: Josie Jeronimo / http://www.correiobraziliense.com.br Imagens: http://professormedeiros.blogspot.com e http://www.google.com.br/