Porque o Zé se inventou como peixe
E ajudou a chegar navio fugindo dos areais traiçoeiros da Boca da barra
Esse rio é meu
É meu também pelos siris, caranguejos e pelo manguezal alimentando tanta gente
É meu porque o ritmo do tototó se fez melodia
Pra ir e vir das pessoas atravessarem suas águas
é meu porque nele peixes e pescadores se fizeram uma troca de sobrevivências
Como os outros rios também
Cantos e danças, cores e formas construindo a nossa história e provocando o olhar
Os tambores africanos vão soar com a presença das taieras e dos cacumbis, e dos Lambe-sujos
E o ritmo do coco vai embatucar os versos
É meu porque vindo das lutas com os lambes-sujos que roubaram suas princesas e os caboclinhos vão tocar seus trocanos e erguer suas flechas para mostrar o valor dos donos
Olhando o rio, a chegança vai fazer sua corneta para anunciar que saiam as moças à chinela, venham ver que já vai levantando a vela
Esse rio é meu porque o viajante no barco da ilusão traz o fogo dos buscapés e das girândulas.
E é meu porque agora nas suas águas que foram chamadas antigamente de Cotinguiba, se fez Sergipe
Está presente a história e a identidade do nosso povo
Esse rio é meu, mas é Seu”
Foi com o poema “Esse Rio é meu”, de sua autoria, que a professora, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aglaé Fontes teceu a palestra de abertura do II Seminário Água e Cultura em Sergipe. O evento, que teve início nesta quarta-feira, Dia Estadual do rio Sergipe, seguiu até o final da quinta-feira, e marcou o encerramento do Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras, que desde maio de 2019 vem realizando ações de educação ambiental, restauração florestal, monitoramento hídrico e pesquisa científica no município de Laranjeiras.
De forma lúdica, didática e profunda, a professora Aglaé remontou a relação entre a população ribeirinha e a água desde a vida uterina, passando pelas brincadeiras infantis, pelo uso da água como fator de sacralização em diversas religiões, até a formação das cidades em torno dos rios.
Ela contou que o termo “ribeirinho” identifica um modo de vida, que é integrado à natureza, à água. “O rio lhe traz a cidade, e o rio lhe traz história”, apontou a pesquisadora, destacando que para entender a formação do homem que vive às margens dos rios é preciso entender sua formação cultural, que perpassa a presença indígena, do português colonizador, dos outros imigrantes e do povo negro.
“O homem ribeirinho aprendeu a viver e se tornou, ele mesmo, sujeito da sua cultura. Ele é o autor-ator – aquele que faz – social e ele foi inserido nesse meio, encontrou a terra. Não só o rio como caminho, mas também a terra: a floresta, o solo, as frutas e a natureza passou a ser a sua inspiração”, avaliou Aglaé Fontes.
“Precisamos entender a cultura ribeirinha compreendendo que nela estão sentidos, sentimentos, ideias. É viver o aprendizado de gesto, de ritos, de ritmos, que acontecem todos os dias. O homem é um animal amarrado às teias de significados que ele mesmo teceu. Esta minha fala é uma homenagem a todos os que fazem a comunidade ribeirinha”, encerrou com poesia a palestra tecida em torno da poética.
Entre as cores da chita impressa nos vestidos dos brincantes e o bater dos tamancos da Mestra da Cultura Popular Dona Nadir e seus companheiros e companheiras foi lançado o videoclipe “Vamos sambar de pareia” do grupo folclórico “Samba de Pareia da Mussuca”, durante a solenidade de abertura do II Seminário Água e Cultura em Sergipe.
O vídeoclipe foi vencedor do primeiro concurso para conjuntos musicais da cidade de Laranjeiras, realizado pelo Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras em agosto e setembro deste ano. Com o tema “Água e cultura”, a peça audiovisual representa uma maneira de eternizar um recorte da cultura popular do município que acolheu o Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras durante todo o seu período de execução.
Sensibilizar para transformar
Para Katia Cristina Ferreira, gerente de Projetos Ambientais da Petrobras, empresa parceira do Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras, “a sensibilização no processo de educação é uma das melhores formas de tocar e chegar às pessoas e promover as mudanças e as transformações”.
Durante sua saudação, na mesa de abertura, ela explicou que o trabalho Petrobras no campo da educação ambiental está ancorado no tripé Ações de Recuperação, de pesquisa cientifica, e educação ambiental. Neste sentido, Kátia ela apontou que o Projeto Azahar atua e deixa um legado nestes três eixos. “Sem estas três frentes, a gente não vai conseguir avançar nas questões ambientais. Mas o nosso programa e o Projeto Azahar brilhantemente, de forma muito bem sucedida, tem avançado e tem cumprido a contento este papel”.
A abertura do seminário contou ainda com a presença do Prof. Dr. Jodnes Vieira, assessor do Magnífico Reitor da UFS, Valter Joviniano de Santana Filho; do Prof. Dr. Antenor de Oliveira Aguiar Netto, coordenador geral do Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras; da representante da FAPESE, Cristianne Leal; e do Prof. Dr. Airon José da Silva, Chefe do Departamento de Agronomia da UFS.
Corredor Caipira: integrando povo e natureza
A programação do II Seminário Água e Cultura em Sergipe teve continuidade com um momento de troca de experiências com a equipe do Projeto Corredor Caipira, realizado pelo Núcleo de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental da ESALQ/USP (NACE-PTECA) e pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ), uma iniciativa patrocinada pela Petrobras, no território que abrange Piracicaba, São Pedro, Águas de São Pedro, Santa Maria da Serra e Anhembi.
O projeto está reflorestando uma área de 45 hectares de florestas e agroflorestas, formando corredores agroecológicos que conectam importantes fragmentos florestais para a conservação da fauna e da flora. É meta do projeto realizar um diagnóstico Socioambiental a fim de identificar áreas de interesse à conservação, restauração florestal, e implantação de sistemas agroflorestais; bem como construir um Banco Ativo de Germoplasma para promover a conservação genética de 20 espécies florestais nativas.
O Corredor Caipira mantém articulação permanente a fim de cobrar a adoção de políticas públicas para a agroecologização local, e realiza uma série de ações de cultura e educação para promover a co-criação de uma rede viva e atuante, comprometida com a transformação socioambiental.
“No momento em que se dá muito valor à industrialização e às ânsias capitalistas, aquilo que está ligado à natureza acaba sendo visto como ultrapassado e atrasado. Acreditamos na superação desse pensamento exploratório por meio de uma ação educadora que valorize a cultura, os saberes ancestrais e faça emergir o senso de pertencimento”, elucidou o coordenador de comunicação do Projeto, Rafael Bitencourt. Para isso, o projeto realizou diversas iniciativas que combinam educação ambiental, intervenções ambientais e ações de comunicação, a exemplo de um concurso de fotografias.
Para Rafael, predomina uma total desconexão com natureza, focando-se muito nos avanços e crescimentos tecnológicos em detrimento ao meio ambiente. E o resultado disso é o alto desequilíbrio ambiental: “O INP mostra que de janeiro a agosto no estado de São Paulo teve um aumento de 133% no número de queimadas; isso somado às mudanças climáticas, ás recentes tempestades de poeira, e à crise hídrica”, lamentou o assessor de comunicação do projeto.
Para o coordenador técnico do projeto, Henrique Ferraz de Campos, a restauração florestal tem potencial de visar também uma finalidade econômica e de produção de alimentos. “Acreditamos que sistemas produtivos que visam a produção de diversidade de alimentos, que trazem esse resgate cultural, de conservação e que produzem na mesma área, tem um potencial grande de trazer agricultores e agricultoras familiares para visão da agroecologia, que é a grande ‘ciência mãe’, central no nosso trabalho”, completou Henrique.
No Dia Estadual do Rio Sergipe, 03 de novembro, o Prof. Dr. Luiz Carlos Sousa Silva, coordenador de Recursos Hídricos na Diretoria de Gestão Ambiental da DESO, fez uma avaliação da situação desta que é considerada a mais importante bacia hidrográfica do Estado, e foco de atuação do Projeto Azahar: Flor de Laranjeiras.
Um dos maiores desafios apontados por ele é a ausência de uma política de preservação de água. “Boa parte da água das chuvas não são aproveitadas, lamentavelmente temos uma cultura de não investir em construção de barragens. São diversos os motivos: a qualidade da água, a topografia do estado, mas isso independe de uma condição de engenharia que possa nos dar este abrigo”, apontou destacando a importância de investimento para suprir esta demanda.
Segundo ele, outro problema que assola a bacia Hidrográfica do Rio Sergipe está nas proximidades das áreas urbanas. “As pequenas e médias cidades de Sergipe estão crescendo muito rapidamente fazendo com que haja uma pressão muito forte junto aos recursos naturais, principalmente às necessidades de sustentabilidade destas bacias hidrográficas” alertou Luiz, exemplificando a região do bairro Jabotiana, em Aracaju.
A situação é ainda mais grave quando se trata da emissão de resíduos as águas fluviais. “O resíduo de agrotóxico é um contribuinte muito forte para a contaminação destas águas. Se a ocupação urbana for próxima ao rio, o depósito de resíduos sólidos é também verificado com bastante frequência. Isso nos deixa preocupado, porque falta na verdade uma política mais contundente de planejamento destas ocupações”, avaliou.
Reprodução: www.imprensa1.com
Por: Débora Melo – Jornalista
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