A música de linguagem verbal moralmente edificante e de melodia harmoniosa é algo que não pode estar distante dos ouvidos e do cotidiano das pessoas que valorizam e curtem a arte das musas, a qual é originada na Grécia antiga. Um dos diversos bons exemplos de composição musical com essas características é a canção intitulada “Vilarejo”, entoada e gravada na voz da artista Marisa Monte, constante do álbum “Infinito particular”, lançado em 2006.
A letra dessa canção é constituída de cinco estrofes e vinte e quatro versos – sem contar as repetições – , além do refrão, os quais se distribuem em cinco, seis, sete, oito e dez sílabas métricas, adornados de imagens sensoriais, beleza estilística e descrições de ambientes, pessoas e objetos; rimas pobres e ricas, toantes e soantes, com ritmo, compasso e andamento bem sincronizados e definidos, acompanhados de arranjos cuidadosamente afinados e agradáveis aos ouvidos. Além da estrutura poética, a voz suave da cantora e o discreto emprego de certas figuras de linguagem, a exemplo de metáfora, personificação, aliteração e outros efeitos sonoros, fazem a composição “Vilarejo” penetrar no coração e âmago dos ouvintes e fãs da intérprete Marisa Monte, transmitindo-lhes paz, harmonia, um bom espírito e esperança de dias melhores.
O texto musical da citada canção inicia-se com uma menção à existência de um pequeno povoado, que a intérprete chama de vilarejo, no qual o ar puro e a brisa gostosa arejam aquele espaço e refrescam as pessoas ali presentes. Nesse fictício recanto sacrossanto, o tempo não tem pressa, as portas e janelas das residências estão sempre abertas para os bons fluidos entrarem; não faltam alimentos para os habitantes. Naquele local existem flores, que simbolizam alegria, decoração, pureza e paz. As mães que lá residem têm suas mamas bem abastecidas de leite para alimentar seus filhos, que deverão ficar robustos e saudáveis.
Enfim, trata-se de um local dotado de tudo aquilo de que as pessoas precisam para se sentir aliviadas de seus fardos físicos, psicológicos e emocionais. Apesar de ainda não termos conhecido nenhum ser humano que tenha relatado sua estada e experiências em um paraíso físico e real, levando-se em conta nossas imagens mentais e concepção que temos sobre a esfera paradisíaca, podemos dizer que toda a descrição que a cantora faz nessa letra musical refere-se, de fato, a um paraíso, haja vista o conteúdo bastante tranquilo, harmônico e pacífico que ela nos transmite no texto.
As imagens e descrições arroladas na mencionada letra cantada por Marisa Monte lembram-nos e reportam-nos ao Arcadismo, escola literária que surgiu na Europa, no século XVIII, e que tem como uma de suas características o culto aos elementos da natureza, ao bucólico, aos verdes campos, à vegetação e às flores. Na poesia produzida pelos escritores representativos desse movimento literário, estes artistas da palavra fazem apologia ao bucolismo e à simplicidade da vida em meio à natureza campestre, em oposição à vida urbana, à agitação e à violência na cidade. Parece-nos que a artista Marisa Monte pensou em reproduzir na letra “Vilarejo” o feito dos poetas árcades, quando ela trata daquele ambiente natural e sossegado sob um olhar poético e artístico.
No mundo atual, dominado pelo individualismo, desentendimentos, incertezas, violência e desigualdades sociais gritantes, as pessoas, em geral, precisam ouvir e inculcar mensagens de amor, autoestima, coragem, fé e esperança, a fim de que possam ser quebrantados os corações sofridos e entorpecidos em decorrência de sentimentos nefastos, para que, desta forma, sejam-lhes enriquecidos o cérebro e a alma, o que pode, inclusive, melhorar sua saúde mental.
Embora entendamos que “questão de gosto não se discute”; que conteúdos espiritual e moralmente edificantes são encontrados também em muitas outras letras musicais, antigas e recentes, mesmo que estas não tratem de temas semelhantes ao abordado em “Vilarejo”; que muitas crianças e adolescentes atuais não nasceram na época de execução de canções que são de nossos gostos e preferências, persistimos na necessidade de essas pessoas ouvirem e curtirem melodias e letras que se aproximem do tipo aqui mencionado a fim de que venham a vivenciá-las em seu dia a dia, possam diversificar seus gostos musicais e aguçar seus sensos crítico e estético.
Sabe-se que, em suas famílias e lares, as gerações mais jovens não tiveram nem têm o hábito de ouvir canções desse gênero, uma vez que, como tais oportunidades não lhes foram proporcionadas e porque, também, a grande parte prefere atentar-se aos tipos musicais que estão mais em voga nesta era, a exemplo de arrocha, pagode, reggae, axé, sofrência, forró elétrico, brega funk, trap e outros de ampla reprodução nas diversas plataformas de comunicação e informação, a grande mídia e muitas emissoras de rádio dos nossos dias não executam as melodias mais ponderativas, tradicionais, com maior carga poética e, até, antiquadas, como dizem muitos, porque, se assim o fizessem, não teriam audiência, consequentemente seus retornos financeiros seriam bastante insignificantes.
Por essas e outras razões entendemos que, mesmo reconhecendo o fato de que cada povo tem sua cultura, tradições, ideologias e suas visões específicas da vida e do mundo; que também podem, sim, ser encontrados conteúdos saudáveis e teor lírico em quase todo tipo de música; e que as novas tendências musicais atendem aos gostos e preferências da grande massa popular, seria bom que as pessoas de todas as idades, formações e etnias passassem a ouvir, curtir, cantar e dançar melodias que aumentam o nível espiritual, cultuam a poesia de forma mais sistemática e aprimoram o intelecto. Isso porque os seres humanos precisam ser conduzidos à sabedoria e discernimento, ao aguçamento dos sensos crítico e estético, ao aprimoramento das ideias e melhores leituras de mundo e, sobretudo, à reflexão sobre a vida e sua história neste planeta.
Por Adilson Oliveira Almeida
*Graduado e licenciado em Letras Vernáculas pela UFS, especialista em Gestão Escolar pela Faculdade Pio Décimo, Mestre em Letras pela UFS, Professor da Rede Estadual de Ensino e Revisor de Textos.
Aracaju (SE), 11 de dezembro de 2021, às 15h33.
Ampliado, atualizado, revisado e editado em 05 de janeiro de 2022, às 18h59.
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