O Brasil foi excluído do primeiro acordo assinado entre uma farmacêutica privada e o Pool de Patentes de Medicamentos.
O contrato autoriza a produção e a comercialização de genéricos de remédios contra a Aids, o que possibilita que seus preços caiam.
O pool é uma fundação autônoma financiada pela Unitaid, organismo criado há cinco anos com apoio do Brasil para facilitar o tratamento contra o vírus HIV, a malária e a tuberculose, principalmente em países pobres. Cada um dos 29 países doadores contribui de uma forma para o fundo.
No Brasil, uma lei recém-aprovada autoriza o governo a doar US$ 2 à Unitaid por passageiro que embarque para o exterior (US$ 12 milhões por ano). Por impedimento legal, o país não cobrará a taxa dos viajantes, como fez a França, por exemplo.
O acordo entre o pool e a americana Gilead autoriza fabricantes indianos a produzir genéricos de três drogas anti-Aids e de uma combinação dos três. A empresa receberá royalties de 3% a 5% das vendas.
O número de países com acesso a esses genéricos vai de 99 a 111, dependendo da substância. Além do Brasil, ficaram de fora China, México, o norte da África e quase todos os sul-americanos, exceto Bolívia e Equador.
A maioria dos excluídos está no grupo que o Banco Mundial classifica como de “renda média alta”, com renda per capita entre US$ 3.976 e US$ 12.275 anuais.
Para ter acesso aos genéricos, eles deverão negociar preços com a empresa ou fazer o licenciamento compulsório, previsto pela Organização Mundial do Comércio.
CRÍTICAS
A exclusão foi criticada por grupos que lidam com acesso à saúde. Segundo eles, foram contrariados dois princípios do pool: que todos os países em desenvolvimento sejam beneficiados e que não exista restrição não técnica à fabricação.
“Fabricantes da Tailândia e do Brasil, que têm capacidade de produzir, foram deixados de fora. O acordo dificulta a redução de preços via concorrência ao limitar a fabricação a um país, a Índia”, disse a ONG Médicos sem Fronteiras.
Um manifesto de 70 entidades latino-americanas, incluindo a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), qualificou o contrato de “frustrante”.
O sanitarista Paulo Roberto Teixeira, do conselho administrativo do pool, diz que está “ciente das limitações do acordo”, mas o defende: “Ele cobre mais de 80% da epidemia”, afirma.
Ele lembra que o pool é só um dos mecanismos da campanha de acesso às drogas. “O acordo não interfere no direito de outros países de adotar salvaguardas para a produção de genéricos”.
Teixeira afirma que o contrato deixa aberta a possibilidade de que mais países ou consórcios de países beneficiados consigam permissão para fabricar genéricos dos remédios da Gilead, ao lado da Índia.
LABORÁTÓRIO PRIVILEGIA POBRES
A Gilead disse que privilegia “países com as maiores necessidades e onde vive o maior número de pessoas com HIV” nos acordos para a produção de genéricos de remédios dos quais detém patente.
O laboratório afirma que esse não é o caso do Brasil: “Temos um programa de preços que leva em conta a prevalência do HIV e a renda per capita. Consideramos o Brasil um país de renda média e não o incluímos na lista coberta por nossos acordos de licenciamento com o mundo em desenvolvimento.”
Um dos antirretrovirais incluídos no acordo, o tenofovir, já é fabricado no Brasil, que não reconheceu o monopólio da empresa. O país gasta R$ 846 milhões ao ano com remédios anti-HIV. Das 20 drogas, dez são importadas.